quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O sueco é civilizado e o brasileiro não é? Por quê? Isto é correto? Análise de uma história de whatsapp

Qual o motivo para os suecos serem tão cordatos e respeitadores das suas leis e regras sociais? Alguns acham que é puramente o fato de serem um "povo melhor". Mas essa conclusão é subjetiva, indeterminada e até racista.. rsrsrs. Baseada sempre na percepção imediata dos fatos como se apresentam, sem análise sobra as causas que levaram à situação de, hoje, os suecos e nórdicos em geral terem um comportamento altamente civilizado.

Este é o tema de uma conversa curta por whatsapp que tive com amigos, introduzida pelo meu amigo Renardo. Compartilho com vocês o texto deflagrador do questionamento sobre o comportamento dos suecos e a comparação com nosso comportamento médio brasileiro. O texto vem assinado por Décio Tadeu Orlandi, que se intitula bacharel em Letras pela USP e mestre em Literatura pela UFG, segundo a assinatura ao fim do texto. Assim manteremos.

Texto Original

"Há alguns anos, entrei numa estação de metrô em Estocolmo, a tão civilizada capital da tão primeiro-mundista Suécia, e notei que havia entre muitas catracas comuns uma de passagem livre. Questionei a vendedora de bilhetes o porquê daquela catraca permanentemente liberada, sem nenhum segurança por perto, e ela me explicou que era destinada às pessoas que por qualquer motivo não tivessem dinheiro para a passagem. Minha mente incrédula e cheia de jeitinhos brasileiros não conteve a pergunta óbvia (para nós!): e se a pessoa tiver dinheiro mas simplesmente quiser burlar a lei?

Aqueles olhos suecos e azuis se espremeram num sorriso de pureza constrangedora – Mas por que ela faria isso?, me perguntou. Não lhe respondi. Comprei o bilhete, passei pela catraca e atrás de mim uma multidão que também havia pago por seus bilhetes. A catraca livre continuava vazia, tão vazia quanto minha alma brasileira – e envergonhada.

(Décio Tadeu Orlandi - bacharel em Letras pela USP e mestre em Literatura pela UFG).

Quem faz um país é o povo!!!!!!"

A frase "Quem faz o país é o povo!!!" pode ter sido escrita pelo próprio Décio ou por quem repassou o texto de Décio, já que está após a assinatura. Não importa, é a moral da história. E entendemos até que é um incentivador de chamamento geral à consciência coletiva. Ótimo. Até concordamos. Mas aí vai minha ponderação.

Resposta do Blogger:

"Renardo, boa história, mas a resposta não é que o povo sueco é maravilhoso pura e simplesmente descido do céu. .. apesar de a beleza natural daquele povo realmente dar essa flagrante idéia. ..rs rs... mas é que o Estado fornece tão bem seus serviços públicos que a ideia de cidadania e coletividade fica firmemente gravada na mente, coração e espírito dos suecos. E a repetição cotidiana do respeito que o Estado tem pelo cidadão alimenta o respeito que o cidadão tem pela coletividade numa espiral sócio-cultural-institucional que a linda policial sueca nem mesmo consegue imaginar o porquê de alguém violar uma regra social e ética como a de somente passar pela roleta gratuita se não tiver dinheiro.

Portanto, pra aproximarmo-nos dos suecos faltam investimento em educação e em serviços públicos em quantidade e qualidade, com servidores em quantidade e qualidade, pagos consoante a complexidade das atribuições que exercem. E tenho dito."

É incrível como simples conversas e simples histórias podem facilitar a compreensão do que páginas e páginas de filosofia não conseguem deixar claro. É isso. Talvez esta história compartilhada tenha sido mais útil para demonstrar porque a Suécia está dentre os primeiros lugares em IDH no mundo e nós não e o que devemos fazer para chegar lá: investimento em educação e no serviço público eficiente, para que os cidadãos, obtendo respeito de seu Estado (e não falta de Estado como querem alguns), possam alimentar carinho, consideração, amor e respeito por suas instituições e pelo bem coletivo e suas regras de conduta.

E isso é na Suécia, em que a desigualdade social é menor do que na França. Na França, eu vi pessoas aparentemente pobres, negras e com certeza de origem africana, pulando roletas do metrô em Paris, às 20h. Eu, brasileiro, constrangido, percebendo que não havia guardas, pensei em fazer o mesmo, mas não consegui e, juntamente com meu irmão, passamos pela roleta.

Então, senhores, por que um pobre, negro, talvez francês, com certeza de ascendência africana quis pular a roleta em Paris e eu e meu irmão, brasileiros, não? Será que todo sueco loiro de olhos azuis é civilizado por natureza e negros africanos não podem ser? E eu e meu irmão somos exceções dentre brasileiros? Não, a todas as perguntas.

Os suecos têm menos desigualdade social, têm salário mínimo alto, têm muito mais servidores públicos por habitante do que o Brasil (ver p.s. abaixo), todos bem pagos e que prestam bons serviços públicos a seus cidadãos e estes, crescendo em uma sociedade dessas (atualmente até creio ser a número um em IDH no mundo), adquirem respeito pela coletividade por sua sociedade e por suas regras sociais, legais e de costumes. E por isso dão um espetáculo em comportamento civilizado.

O grupo de negros vindos da África Francesa é estigmatizada na França. Teve até um caso em que, revoltados por se sentirem excluídos socialmente, queimaram 200 carros em Paris. Como não se sentem retribuídos ou incluídos na sociedade francesa, não se sentem obrigados a respeitar suas regras. Compreensível. A solução lá na França, para o comportamento daquele cidadão que pulou roleta sem pagar, é perseguir e concretizar menos desigualdade social e mais oportunidades para negros vindos da África Francesa para que sejam realmente incluídos socialmente e respeitem as regras sociais.

E no Brasil? Sou exceção? Não. Eu fiz o que qualquer brasileiro educado faria. Mas eu tenho dinheiro para pagar a passagem, estava cursando a faculdade de direito, à época, tenho família que me educou e me acolheu e não sofri agruras do Estado francês. Também não tenho grandes mágoas do Estado brasileiro porque, filho de classe média, nunca precisei muito dos serviços do Estado. Meu comportamento, portanto, e o de qualquer brasileiro em minha condição, será sempre semelhante ao do "sueco", apesar de eu poder responder a pergunta que Décio fez à policial sueca e ela não poder entender o motivo de alguém desrespeitar uma regra social simples como usar a roleta gratuita, mesmo tendo dinheiro para tanto.

O brasileiro é bom. O brasileiro é honesto. Senão, este país estaria imerso no caos social. Mas o tema me suscita a lembrança de um antigo provérbio árabe escrito por Mansour Chalita no seu maravilhoso livro "As mais belas páginas da literatura árabe" que é assim: "quando o governante se afasta da justiça, os governados se afastam da obediência". Preciso dizer mais alguma coisa?

Sabemos o que fazer. Façamos.

P.S.: Sobre a afirmação de que a Suécia tem mais servidores públicos do que o Brasil, já escrevemos artigo sobre o tema. Em 2011, a Suécia tinha 26% de sua força de trabalho no serviço público. o Brasil tinha 11%, segundo estudo da OCDE. Acesse o artigo e os dados da OCDE em http://www.perspectivacritica.com.br/2014/08/ocde-comprova-paises-de-maior-idh-e.html

p.s. de 28/01/2016 - texto revisto e ampliado.

p.s. de 29/01/2016 - Deixo claro o propósito do artigo: não é a cor da pele ou a naturalidade da pessoa que indica seu grau de civilidade. Apesar de o texto original dar a entender que o brasileiro "usaria a roleta gratuita, mesmo sabendo que se destinava somente a pessoas que por eventualidade não tivessem dinheiro", pergunto: Jô Soares passaria na roleta? Miriam Leitão? Merval Pereira? Fernando Henrique? Professores? Estudantes universitários? Eu? Você? Não. Portanto, não é o sueco que não passa, mas pessoas educadas não passam. Essa é a verdadeira diferença. Educadas e que não tenham necessidades financeiras. Aqui, no Brasil, há desrespeito, sim. Por falta de educação e por falta de respeito do Estado em relação ao brasileiro. É nossa opinião.

9 comentários:

  1. concordo com você, mas vou tentar resumir a idéia: este nível de civilidade atual dos suecos é maravilhoso e invejável, pudera um dia sermos iguais neste quesito.
    Mas eles chegaram nesta situação não devido ao seu DNA diferenciado nem nenhuma qualidade intrinseca aos seus cidadaos, mas sim devido ao sua situação socio economica e cultural atual ocasionadas por vários fatores como por exemplo a história de sua sociedade, sua geografia, sua relação com outros povos, suas escolhas de organização social, dentre outros fatores. Nós brasileiros queremos chegar nesse altíssimo nível de civilidade, e para isso temos que descobrir o nosso próprio caminho e então trilhá-lo.

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  2. Perfeito Edson! É exatamente isso. Só essa noção da realidade já é capaz de alterar nossa situação, caso boa parte de nossa sociedade dela tomasse ciência, pois ao doente que pretende cura, o primeiro pressuposto é ter noção da doença.

    Quando dizemos que o outro povo é fantástico porque é outro povo, nos excluímos do processo de cura, porque não somos o outro povo. Não é a hipótese.

    Nosso blog, com nosso principal patrimônio que são nossos leitores, pretende trazer temas à reflexão e ser propositivo quanto às soluções para nossos problemas sociais, políticos e econômicos.

    Quanto a este padrão fantástico comportamental dos suecos, como de todos os nórdicos, entendemos que a eficiência na prestação de serviços públicos por imposto pago (suecos pagam mais impostos do que nós e não reclamam) é o grande motivo para o fortalecimento da ideia de cidadania e respeito à coletividade que há naquele país e não há no Brasil.

    Acesse outros artigos nossos, tais como "A guerra pelo PIB", "Reconstruindo o Brasil, Reconstruindo o serviço público", "OCDE confirma: países de IDH mais alto têm até três vezes mais servidores públicos do que o Brasil" e outros.

    Grande abraço!

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  3. Moro na Suécia e te digo... Nunca vi falar nessa catraca! E mesmo que tenha a tal, digo mais... Os suecos, em geral, não passariam por ela pq (na sua vaidade, cultura ou educação..) tem vergonha de mostrar que precisam de benefícios, auxílio ou ajuda do Governo para viver, é um povo altamente criado desde da infância para ser independente. Não só em trabalhos manuais, domésticos, mas também econômicos. Eles tem uma dificuldade imensa de aceitar até mesmo o auxílio desemprego, por status talvez! Se existe quem viva de "jeitinho" aqui na Suécia, é claro! Assim como existe quem não suporte e viva honestamente, sem o "jeitinho" no Brasil!

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  4. Maria Helena, tinha respondido, mas parece que não salvei/publiquei.. rsrsrs

    É ótimo que você possa dar essa contribuição mais real morando aí. Principalmente no que tange a explicar o orgulho dos suecos e, a partir daí, um comportamento em sentirem-se indignados em dependerem do Estado, de auxílios e assistência e tal e trazer uma nova perspectiva sobre o texto comentado.

    O texto, que foi informado ser de procedência duvidosa, mesmo que exista sobre um argumento fantasioso da tal "catraca livre e gratuita", continua interessante par o objetivo de discutirmos a alimentação recorrente de um estigma em relação ao comportamento do brasileiro e, ao mesmo tempo do estigma do comportamento sempre puro, correto e fantástico dos estrangeiros, sejam nórdicos, europeus ou norte-americanos.

    Discutir comportamentos é importante como forma de apontarmos erros e corrigi-los em nós mesmos, mas essas generalizações depreciativas do brasileiro e endeusadoras de estrangeiros para mim são pueris, racistas de certo modo, e sempre merecem crítica.

    Do papo que tenho com amigos que moram no exterior alguns repetem um pouco isso, mas muitos não alimentam isso porque vêm que em muitas coisas somos iguais simplesmente porque somos humanos. As críticas que ouvi dos estrangeiros vêm mais deles mesmos que conseguem enxergar seus erros e não partem de uma análise depreciativa de sua origem.

    Uma amiga belga, por exemplo, disse que acha o seguro desemprego no seu país muito extenso (3 ou 5 anos) e de valor muito alto (creio que 1.500 euros), que faz com que muitos cidadãos trabalhem pouco e se demitam para obter o seguro desemprego e ficar sem trabalhar.. igual como ocorre aqui quando os empregados mais simples pedem para ser demitidos na carteira para receber o seguro desemprego, mas continua trabalhando.. e muito patrão faz isso, prejudicando também o INSS, nosso dinheiro.

    Os roubos e corrupções nos EUA são absurdos: Enron, Madoff e outros... e esses são os que foram pegos..

    Então creio que para efeito de discussão, existindo a catraca ou não, é tema recorrente e cujo debate é e foi ótimo, a meu ver. Rs

    Grande abraço!

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  5. E mais, considerando agora a sua perspectiva, vejo o seguinte: os suecos não admitem muitas assistências e auxílios por orgulho? Beleza, mas por quê? Eles podem ser orgulhosos? Se passassem fome e não fossem educados agiriam assim? Não. Se eles podem estar na condição de não gostarem de usar auxílio-desemprego, por exemplo, é porque a educação lá é gratuita e o atendimento médico é integral, público e gratuito também. Ser orgulhoso com tanta assistência, com até três vezes mais servidores públicos do que o Brasil prestando serviços os mais variados e essenciais de forma gratuita facilita para que eles possam exercer esse "orgulho" e essa "autonomia". Rs.

    É isso que queremos para o Brasil. Essa é a real diferença, a nosso ver. Essa estrutura de educação e saúde em torno do sueco, dentre outros serviços públicos gratuitos a ele prestado pelo imposto pago, gera uma espiral positiva comportamental em sociedade e alimenta o espírito de cidadania.

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  6. Como autor do texto "de origem duvidosa" (rsrs), posso garantir que tal catraca existia quando de minha visita à Suécia - cheguei mesmo a usá-la na companhia de uma amigo local que não tinha dinheiro para pagar a passagem... E como professor neste nosso país há mais de 25 anos, só posso concordar com o autor da análise: não há nada de intrinsecamente bom nos escandinavos, assim como não há nada de intrinsecamente mau nos brasileiros. É a ausência do Estado civilizatório que cria o desejo de ¨vingança¨: já que o governo não me dá nada, não há nada a que eu deva retribuir. Provavelmente foi este motivo que levou os africanos a pularem as catracas do metrô francês (não se reconhecem naquele Estado, que consideram opressor). Ah, sim: como Jô Soares, eu também não pulei a catraca. Parabéns pela discussão! (Décio Tadeu Orlandi - dorlandi2015@outlook.com)

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  7. Caracas, que legal!!! Valeu sua contribuição, Leon!! Abs

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  8. Para quem pretende aprender Sueco, recomendo aulas pelo Skype com a Preply!
    https://preply.com/pt/skype/professores--sueca

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