segunda-feira, 16 de maio de 2011

Ação Global e Amigos da Escola: até onde o voluntariado é bom e a partir de quando é ruim para a sociedade?

Há pouco tempo, nesta última semana de maio (entre 09 e 13 de maio de 2011), houve a publicação de artigo com o título "Voluntariado no Brasil", no Jornal do Commercio. Ressaltou todos os lados positivos para a sociedade e para os participantes em movimentos de voluntariado. Aumento de criatividade, aumento de sensação de civismo e de felicidade por realizar algo para o próximo. Problemas sociais amenizados pela participação da prórpia sociedade, através da intervenção direta da própria sociedade, ou seja, problemas sociais e vidas concretas melhoradas pela minha, pela sua, pelas nossas mãos diretamente. Alcançar diretamente aqueles que a burocracia do Estado não consegue e resolver seus problemas realmente, efetivamente e.. melhor,..pessoalmente. Difícil pensar em algo tão gratificante, útil e realizador para o próximo, para você e para a sociedade.

Mas, como sempre, o erro está no excesso. Mas pode haver excesso de doação de meu tempo? Mas ele não é meu? E pode haver excesso em cuidar dos outros? Pode haver excesso em alcançar aqueles que o Estado não alcança? Em ser útil à sociedade?

Doar nunca será excesso,... para quem faz a doação, individualmente considerada. Entretanto devemos entender que não se trata só de você que participa do movimento de voluntariado. Todas as atividades de voluntariado que partem diretamente do indivíduo sempre ajudam a sociedade, mas hoje está crescendo o número de movimentos de voluntariado instituídos por empresas e ONGs, as quais, diferentemtne de você, têm interesses próprios.

Vou direto ao ponto. O voluntariado somente é útil de verdade à sociedade quando ele não se apresenta como substituto do Estado. O voluntariado útil e honesto contigo e com a sociedade não pretende substituir o Estado definitivamente e totalmente (ou mesmo parcialmente) em uma área de prestação de serviço público. Isto porque é impossível que de um voluntário, por mais capacitado e mais entusiasmado que ele esteja, seja exigido horário por anos a fio, além de que não se lhe pode exigir metas ou cuidar da capacitação de um voluntário que hoje pode estar ajudando e amanhã talvez não esteja mais. Prestação de serviço público perene é para servidores públicos de carreira. O voluntariado deve ajudar, deve trazer o plus e não substituir a prestação de serviço do Estado.

Vamos aos casos concretos. Não pude ver qualquer equívoco no "Ação Global". O movimento "Ação Global" me pareceu extremamente útil com todas as qualidades elencadas pela autora do artigo que mencionei acima, publicado no Jornal do Commercio. Não há como aquelas atuações individuais substituírem atuação perene do Estado. Ótimo. É claro que duvido que a Rede Globo de alguma forma não abata do imposto de renda o que gasta com esta atividade, mas mesmo isso é útil. Primeiro porque a previsão de abatimento de imposto de renda existe para incentivar a sociedade a investir na própria sociedade e segundo porque, pelo menos esse dinheiro se transforma em prestação real e direta de algum serviço social. Então, tudo bem por aqui.

Entretanto, o "Amigos da Escola" me deixa algumas dúvidas. Como estou envolvido no Movimento pela Educação Inlusiva Legal e Responsável, estou tendo contato com a prestação de serviço público de educação e estou surpreso com os limites que estão, na prática, chegando a atingir na prestação de serviço voluntário a este título. Parece que voluntários podem chegar a dar aulas e ouvi sobre casos em que imaginam voluntários tomando conta de crianças com deficiência. Pessoal, isto não pode acontecer.

Observem, enquanto o "Amigos da Escola" se destinar a realizar brincadeiras lúdicas, com incentivo à coordenação motora e aquisição de conhecimentos gerais ou amadurecimento cívico e psicopedagógico, tudo bem. Se o voluntariado quiser realizar atividades extra-classe, com visitas a museu, com teatro, com laboratório, com supervisão de profissional da escola pública, tudo bem. Mas temos de estar atentos sobre os excessos e a tentativa de legitimação da substituição da organização estatal para a prestação de serviço público perene pela organização social e voluntária, o que não pode acontecer sob pena de evidente perda de qualidade de prestaçao de serviço público, frustração de determinações constitucionais sobre ingresso em carreira pública, frustração de determinações constitucionais e legais sobre indelegabilidade de atividades-fim do Estado e desestímulo do investimento em salário e carreira pública de professores.

Eu entendo que em determinada escola, por falta de salário atraente, por falta de estrutura, professores não sejam contratados, pessoas não se interessem pela carreira de professor e não participem de concurso público para preencher as vagas. E nesses casos eu entendo que, estando ali, os voluntários acabem assumindo a educação destas crianças abandonadas intelectualmente por sua Prefeitura e Governo Estadual e Federal. Mas isso deve ser entendido em seus exatos termos: isso é errado.

A solução para falta de prestação devida de serviço público de educação não está no voluntariado, óbvio. Está em tomarmos consciência da realidade dos investimentos em estrutura e na carreira de professores públicos que ganham salários miseráveis para realizar uma função tão nobre de educar nossos filhos.

É muito importante você entender que há movimento internacional por substituição de prestação de serviços públicos pelo serviço privado, seja por terceirização, seja por privatização, seja por Organizações Sociais ou ONGs. Não quer dizer que todos esses movimentos criativos e mecanismos e engenhos de produção não podem ser utilizados para ampliar a prestação de serviços públicos, prestar serviços sociais adicionais aos prestados pelo Estado e que não devam ser incentivados pelo Estado. Mas temos de estar atentos para não embarcarmos em uma bandeira que não é nossa e que não resolve a falta de quantidade ou qualidade de prestação de serviço público em determinada área (educação e saúde principalmente).

Seja voluntário. Participe de todo e qualquer movimento voluntário que exista. Crie até seu próprio serviço voluntário. Mas fique atento para não ser usado em uma cruzada para a substituição do serviço público por serviço privado, de que hoje você participa, mas amanhã pode não estar participando. Crianças e doentes precisam de educação e saúde de forma perene com profissionias presentes, gabaritados, com salário digno, por anos a fio para a realização do bem público.

p.s.: Voluntariado é muito útil e nos faz sentir bem. Mas ninguém vive de voluntariado e por isso não podemos admitir a substituição de servidores públicos profissionais e capacitados por voluntários em qualquer área e por mais capacitado que seja o voluntário, simplesmente porque ele não pode prestar indefinidademnete o serviço, nem responde por metas ou horário. Vejam esse exemplo: meu irmão ajudou por uns cinco dias na Região Serrana após o desatre com as chuvas do verão de 2011. Por ser dublê e já ter dado aula de resgate em selva para o Exercito Brasileiro, integrou uma equipe de aguerridos que chamo de "malucos" e ficaram indo de pickup no meio da lama e de encostas para tentar salvar pessoas e resgatar corpos. Quase morreram algumas vezes, o carro quase caiu em uma encosta... mas conseguiram realizar o trabalho dentro de suas limitações (muito menores do que as minhas por exemplo) e tiveram de voltar a trabalhar. Ficaram muito felizes com a contribuição que puderam dar. Para mim, ele e seus amigos são heróis reais. Mas as pessoas que não puderam ser ajudadas por eles continuavam lá, tendo de ser ajudadas. O Exército, os Bombeiros, a Defesa Civil e a Polícia estavam lá dia e noite para isso. Entenderam a diferença?

p.s. 17/05/2011: Vejam o que descobri em total consonância com o teor do meu artigo e ainda com o conteúdo. Acesse: http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT05-3709--Int.pdf

8 comentários:

  1. É amigo, concordo com você e digo que existe algo de muito obscuro neste governo. Já privatizaram a saúde e já começara a privatizar a educação. Nós pais devemos estar atentos e nos mobilizar. Se alguém desejar ser voluntário, nos procure no Semente do Amanhã. www.sementedoamanha.org nós precisamos e muito da colaboração de todos. Um abraço, Selma

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  2. Infelizmente, este é legado daquela confraria que é servida pela Fundação do dono da Globo para perpetuar a teoria escravocrata do "somos crias suas assim devemos favores pelos serviços que foram prestados".

    A teoria do vínculo fraternal gera mão de obra barata no futuro? Ou seria conspiratório demais afirmar isto?

    ...

    Infelizmente também, a resposta governamental é surpreendente e imbecil, quando tenta tornar a educação lúdica para o universo daqueles que deve abranger e utiliza um livro que aos olhos da maioria irá deseducar, quando o Estado deveria adotar apenas as políticas corretas e convencionais no quesito educação.

    Será que a estratégia de falar a mesma língua para atrair ao invés de refratar seria eficiente ou é politicamente incorreta?

    Por favor, Mário, me responda as questões?

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  3. Francisco/Selma,

    concordo que o mEC partir para essas inclusões automáticas de crianças com deficiência e isto gerar demanda geral por "cursos de aperfeiçoamento e de formação de professores", além de gerar demanda por professores de apoio que estão sendo contratados através de cooperativas, ongs, ou seja, sem concurso público... é esquisito, e pior, a continuar assim, vai criar um grupo de interessados (indústria da educação e professores terceirizados contratados) que dará apoio à continuidade deste sistema em que se exclui a área pública da prestação de serviço público de educação, serviço essencial à sociedade, ainda mais no caso da educação especial. Devemos ficar atentos. Já sabemos que há políticos que têm interesse nessa geração de necessidade de complementação de ensino, formação de professores, e de fornecimento ao Estado de professores de apoio. A educação Pública está sendo atacada.

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  4. Fábio, ao meu ver a Globo apóia o mivimento de fortalecimento da idéia de organizações que prestam serviços voluntários. Naturalmente isso, a princípio, não seria ruim, mas o que me espanta é a recente massificação de propaganda televisiva, que é caríssima, em relação especialmente ao Amigos da Escola. o Ação Global é um conjunto pulverizado de serviços e não pode substituir o Estado. Mas o Amigos da Escola pode ser explorado economicamente e substituir visivelmente a prestação de serviço de educação pública. Por tanto, não é apregoarmos teoria conspiratória, mas é ficarmos atentos. Eu não me preocuparia com a propaganda do Amigos da Escola se houvesse dizer claro de que o apoio voluntário não substitui o serviço público de eeducçõ e os professores públicos de carreira. Mas isso não acontece. O risco é a população achar que essa substituição é possível.

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  5. COnsiderando ainda o risco de se espalhar a idéia de substituição do serviço de educação pública por serviço de voluntários, temos de avalaliar, e aí respondo sua primeira pergunta, que se isso tomar fôlego, naturalmente vai atrair a área privada e políticos na intenção de explorar esse filão. Naturalmente seriam criadas ONgs e Cooperativas de Professores Voluntários e a prestação desse serviço substitutivo do serviço público de educação gratuita evoluiria para contratos de prestação de serviço terceirizado privado co alguma remuneração e naturalmente haveria um mercado para qualquer empresa entrar e explorar, inclusive a Globo, que é empresa privada profissional e não está aí para ficar de fora de possibilidades econômicas como qualquer empresa. Não podemos é deixar institucionalizar este novo nicho mercadológico que piorará a educação, retirará o ônus do Estado em prestar serviço públioc de educação gratuita e com qualidade, e enriquecerá as empresas, Ongs e Cooperativas prestadoras desses serviços com menor qualidade e comprometimento à população. E tudo isso sem diminuir os impostos, claro.

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  6. Quanto à sua segunda pergunta, sobre a adoção de livro com erro de português, se impedir isso seria politicamente incorreto, a melhor resposta foi dada pelo Luiz Gustavo em comentário ao artigo "Razões da Intolerância..". Não se pode ensinar português popular, português errado ou internetês. A língua portuguesa é símbolo da nação brasileira. Essa palhaçada de fazer um livro com português de pescador analfabeto (porque há os alfabetizados e os pescadores industriais) é mais uma medida errada de grupos equivocados de esquerda que tendem a proteger e tutelar o que eles rotulam como coitados da sociedade. Ao invés de enfrentar o problema do analfabetismo e educar a todos para ninguém falar "nós pega o peixe", uma culpa pessoal ou a exploração de uma culpa histórica e, pior ainda, atribuir-se a "missão honorífica" de proteger o cidadão coitadinho, faz com que este tipo de excesso e equívoco ocorra. Não é politcamente incorreto ensinar português correto. O popularesco, o internetês (parodiando meu amigo Gustavo) as pessoas devem aprender em casa e na rua, mas todos devem ser ensinados a ler e falar corretamente. Temos de ser firmes com princípios básicos. Alargar demais a tolerância com certas coisas demonstra que você não tem princípios a seguir, na verdade.

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  7. Bom, Mário, é difícil de acreditar como algo tão sério chegou a esse ponto.

    Parece até, como ocorre nas empresas privadas, quando você delega algo a um assessoria e confia no profissional para administrar uma situação e ele faz M.... É a omissão da gerência!

    E agora, parece que eles (do MEC) não querem jogar o investimento fora (como se já não estivesse no lixo) e tentar fundamentar a razão daquela "pedagogia".

    Quando li matérias sobre o assunto até pensei que fosse algo ilustrativo do tipo exemplificar o errado e depois ensinar o certo, a fim de conduzir da forma coloquial (qual o povo entende) para a forma normativa.

    Mas parece que não é bem assim, há tolerância "didática" daqueles erros.

    Li a definição do Luiz Gustavo no outro "post", mas também não concordo inteiramente com ele, por exemplo na parte, em que ele declina-se ao aspecto político e não técnico que o MEC deveria ensejar.

    Concluo que embora o Ministro seja do PT, certamente, nem todos no MEC são do PT, há muitos técnicos partidários da oposição que deixarão a "bomba explodir" quando tinham a oportunidade de parar o processo ou pelo menos tornar pública a intenção na publicação daquele material.

    Isso também não é saudável para público que precisa da educação. Concorda?

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  8. Fábio, acho que o governo do PT acertou muito, mas quando erra, tem que ser chamado a sua atenção. Não pode um partido querer ser reconhecido pelos acertos e depois afastar-se dos erros ocorridos sob sua gerência. Então, dessa vez eu tive que concordar com o Luiz Gustavo. Se o Ministro é do PT, como pesquisei e constatei, e se sua gestão é aquela em que algo de bom (aumento de escolas e professores) e algo de ruim (propaganda da opção homossexual - kit contra homofobia para crianças; indevida inclusão automática de crianças com deficiência em turmas regulares; tentativa de fechamento do IBC e do INES; e ainda distribuição de livro a todo o sistema de ensino no País com erro de português) acontecem, não pode o Ministro achar que só o que for bom será reputado a ele. O ruim aconteceu também. Convém aplaudirmos o que for bom, mas apontarmos e responsabilizarmos o que for ruim por três grandes motivos: para sermos úteis, para que haja a correção e para que não sejamos confundidos com partidários messiânicos e irresponsáveis, como muitas vezes são os radicais de esquerda, os radicais de direita e os fisiologistas. Ser honesto e equilibrado é sempre a melhor política. O PT com Haddad está errando bastante ao meu ver.

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