domingo, 1 de julho de 2012

Crítica e comentário ao artigo "Setor Público paga mais do que empresa privada", publicado no O Globo.

Servidor Público, senhores, não nasceu servidor público. O servidor público vem da empresa privada. Comecemos assim. O serviço público é opção de trabalho para todo e qualquer brasileiro e, ao meu ver, ter uma opção boa de emprego não prejudica o trabalhador brasileiro, mas preocupa as empresas que precisam manter bons funcionários e que para concorrer com o serviço público devem aumentar salário e benefícios a seus empregados. Isso é ruim para o trabalhador brasileiro? Não. Então a quem interessa tirar benefícios e salário dos servidores? Às empresas, pois é melhor acabar com uma boa opção de emprego a seus funcionários do que aumentar seus salários e benefícios.

Dito isso, quero apontar algumas coisas na matéria de manchete do Jornal O Globo de 1/07/2012, e seu correspondente artigo intitulado "Em 88% dos empregos, setor público paga mais". É um ótimo tema e a matéria interna do artigo não está ruim, mas porque o título não é "Em 88% dos empregos, empresas privadas privadas pagam menos"? Porque esse título deixaria o trabalhador privado chateado com a empresa em que trabalha e enalteceria o serviço público, tornando a sociedade mais exigente em relação às empresas privadas.

Com o título e conteúdo discriminatório ao servidor público, aliado a milhares de artigos sobre mal gasto do dinheiro público (que nada tem a ver com o servidor, mas com os políticos), junto com notícias de salários milionários e equivocados (que normalmente estão na cúpula dos Poderes e nada têm a ver com a massa de servidores), junto com notícias de corrupção (que é muito maior no meio político e muito pequena entre a massa de servidores, havendo na CGU 4 mil processos de desvios administrativos diversos em um universo de 1,1 milhão de servidores públicos federais), você natural e inconscientemente é induzido a condenar a existência de salários que hoje são melhores na área pública e cujos respectivos cargos se encontram à sua disposição para preenchê-los. Interessante, não?

Agora, vejamos a informação no artigo que reputo correta, já que constatamos que o viés é errado, sob a perspectiva do interesse do trabalhador brasileiro comum (mas certíssimo sob a perspectiva de empresas que não querem concorrer pelo trabalhador brasileiro contra o setor público). De dez carreiras públicas elencadas pelo artigo em questão apregoando pagamento de maiores salários na área pública, cinco variaram menos de 15%, entre 2% e 14%. São elas cozinheiros (14%), professores do ensino fundamental (11%), professores do ensino médio e médicos gerais (ambos 4%) e professores de universidades e do ensino superior (meros 2%).

Agora vejam, esses servidores submeteram-se a concursos públicos e são em número pequeníssimo se comparados com a massa de trabalhadores em sua respectiva área de trabalho. Não é normal que um grupo seleto dentre sua categoria ganhe de forma diferenciada? Não é normal que pessoas que foram testadas e colocadas à prova dentre todos os que quiseram se submeter ao teste acessível a todo brasileiro de determinada carreira, ao demonstrarem-se melhores recebam de forma diferenciada? Por que isso só é correto ocorrer na área privada?

Pondere comigo. Os repórteres da Rede Globo ganham mais ou menos do que a média dos repórteres que existem no Brasil? Mais. Por quê? Porque são uma seleção dentre todos aqueles que quiseram se candidatar a uma vaga nessa grande empresa. Não é normal que ganhem de forma diferenciada? Sim. Então porque tem que ser diferente para a seleção que ocorre de forma muito mais honesta e acessível ao trabalhador brasileiro na área pública? Não há porquê. E sim, a seleção é mais honesta e acessível ao cidadão na esfera pública do que na Globo e em empresas privadas porque você não concorre com familiares do dono da empresa, conhecidos e aparentados do círculo de relação de negócios da empresa... no concurso público é você, o filho do pobre, o filho do rico e a prova, amigo. Ponto.

Já que constatamos que em metade dos servidores comparados pelo Globo o salário nem é assim tão diferente e mesmo sendo justifica-se pois se trata de uma seleção dentre a ampla maioria em tais carreiras e toda seleção, mas principalmente as amplas, honestas, mais justas e acessíveis à população, justificam salários diferenciados, vamos agora tratar dos salários de "alta" diferença percebida.

Primeiramente, quatro dos cinco parâmetros escolhidos pelo jornal não atingiram sequer 50% de diferença salarial, o que pela lógica da seleção ampla em cada carreira, parece-me perfeitamente normal e uma variação abaixo da que você encontra na mesma carreira dentro da própria área privada. Nada a acrescentar então. Mas uma está em evidência: a dos juristas e advogados com diferença de 121%. Justifica-se?

Senhores, estou exatamente nesse grupo. Que média é essa a que o Globo se refere? Há advogados que perdem o registro por mal saberem escrever uma petição com lógica. Somente recentemente a OAB endureceu nos Exames de Ordem e qual o resultado? 80% dos bacharéis não passam no Exame de Ordem. Isso significa que até dez anos atrás milhares e milhares de bacharéis de baixo nível foram aprovados. Qual deve ser a remuneração média deste contingente? Além de a comparação com a "média" nesse setor ser risível, o número de funcionários neste segmento é minúsculo se comparado a todos os integrantes das carreiras públicas. Quantos advogados há em uma empresa pública em relação ao total de funcionários? E estes devem ser mesmo de alto nível, pois este tipo de servidor integra o Judiciário, o Ministério Público, são Delegados e Diplomatas. Você quer pessoas de baixo nível nessas carreiras? Não. E qual é o jeito de atrai-los e mantê-los no serviço público, já que podem se empregar na área privada também? Fixando-se salários capazes de os atrair e manter. Como são a seleção (concurso público admissional) da seleção (Exame de ordemda OAB/RJ) em suas carreiras, devem ganhar de forma diferenciada. E se comparamos seus salários com uma média de trabalhadores de capacidade e educação inferior, fica difícil a remuneração desses servidores juristas e advogados não ficar bem acima da média de seus colegas da área privada.

Uma informação no artigo, contudo chama a atenção para uma comparação que seria mais justa. Veja, o Globo menciona que "Nessas ocupações (todas as ocupações pesquisadas, não só juristas), o setor público soma 3,2 milhões de funcionários; o privado, 31,6 milhões". Como já vimos que os servidores são uma seleção entre os melhores examinados em sua carreira, não seria mais honesto comparar seus salários com a média salarial dos 3,2 milhões de trabalhadores melhor remunerados da esfera privada? Sim, claro. Mas se o Globo fizesse isso veria que os servidores estão pior remunerados do que esta elite e seleção de trabalhadores da área privada, mesmo sendo os servidores integrantes de uma seleção mais ampla e concorrida do que a própria área privada. Muito interessante, não?

Observe que isso é corroborado pelo próprio artigo quando diz que " Também o autor do artigo, Gustavo Gonzaga, do departamento de Economia da PUC-Rio, lembra que os (trabalhadores da área privada) mais escolarizados ganham mais no setor privado, provavelmente, por conta do teto do funcionalismo, que hoje é de R$26,7 mil." Também explica o especialista que "o diferencial de rendimento médio por hora trabalhada no setor público decresce com o nível de escolaridade". Ou seja, quando se compara trabalhadores do setor público com trabalhadores do setor privado de maior educação, a diferença salarial média diminui. Isto corrobora o fato de que o problema (ou melhor, a solução) é aumentar a escolaridade média do cidadão e não explorar a diferença salarial entre os servidores e uma média de trabalhadores que em sua maioria não está em nível compatível para ser comparada com a seleção de servidores público que existe.

Por fim, o professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas, Fernando Holanda Barbosa Filho, mostrou que de estruturação de Estado nada sabe, pois dizer que a estabilidade do servidor é uma espécie de seguro e que por isso o servidor deveria ganhar menos é aplicar uma lógica imediata de mercado em que compara coisas que nada têm a ver. A função da estabilidade do cargo público não é garantir o desemprego do servidor, mas sim garantir a persecução do interesse público para o qual o cargo público foi criado. Não é uma benesse ao servidor, mas uma prerrogativa do cargo público para que o servidor possa exercer a função pública podendo contestar interesses privados de ricos, poderosos e políticos corruptos, sob a garantia de que se assim o fizer, nada há a temer em relação a perder seu cargo e o sustento de sua família.

Exceto esta comparação estapafúrdia do professor, o tema foi bem escolhido e há informações aproveitáveis como demonstrei, tendo sido o viés novamente de ataque ao funcionalismo, contrário ao interesse do cidadão comum e defensor de uma perspectiva empresarial que quer depauperar o servidor público para afastar a tentação de uma opção de bom emprego a seus próprios funcionários e de seus anunciantes. Pelo menos o artigo provou o que já publicamos aqui há séculos: a relação servidor público/total de empregados, no Brasil (10,7%) é menor do que esta relação em países ricos como Dinamarca (39,2%), Suécia (30,9%), França (24,9%), Portugal (15,1%), EUA (14,8%) e Alemanha (14,7%), o que pode indicar que ter setor público forte, representativo em sociedade e bem remunerado pode ajudar no enriquecimento do País e da sua população.

É isso.

p.s. de 02/07/2012 -  Revisto e ampliado. O último parágrafo também foi corrigido. Onde se lia "relação servidor público/habitantes" foi corrigido para "relação servidor público/total de empregados".

2 comentários:

  1. Pois é, Mário: a Estatística é uma das ciências que mais se prestam a manipulações. O velho e bom exemplo é aquele do cara que come dois frangos e outro não come nenhum, mas na média, cada um comeu um. Esse tipo de estudo se presta a erros metodológicos básicos, tais como comparar universos muito diversos com base em médias aritméticas e tabulações arbitrárias de dados. Muitas vezes, chegam a comparar cargos que são iguais só no nome, mas diversos nas atribuições e forma de prestação do serviço. Servidores públicos, além de terem que fazer concursos de difícil acesso, têm que obedecer a normas rígidas (lei 8112/90) e estão sujeitos a hierarquia funcional igualmente rígida. Como você diz, teriam que comparar os concursados com a nata da iniciativa privada e veriam que aí quem perde em termos salariais somos nós, servidores. Quanto pagam a IBM, os escritórios internacionais, as grandes firmas de auditoria, as melhores firmas de segurança, os grandes escritórios comerciais e contábeis?
    Bem mais que o serviço público, garanto.

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  2. O pior nisso tudo, Sala Fério, é que a mídia não está aí para publicar a verdade nem entender problema de ninguém. O que acho mais impressionante é constatar artigo após artigo que as publicações têm finalidade própria mesmo: acabar com uma opção de emprego de qualidade, ou seja, depauperar o serviço público mesmo.
    Se ela alcançar seu intento, estará vivendo no melhor dos mundos: fiscalização sobre a área privada será enfraquecida, servidores desestimulados procurando emprego na área privada, aumento de mão-de-obra excedente, baixando os salários da área privada. E mais, e isto é pior ainda: carreiras fracas e desetruturadas geram piora de prestação de serviço público, tanto em qualidade como em quantidade. Quem sofre mais com piora de serviço público não é rico, mas o pobre e a classe média.
    Então, país rico têm serviço público estruturado, com qualidade, bem remunerado, com estabilidade, no mundo inteiro. Então porque inventar a roda? Façamos como a Alemanha, a Suécia, a Dinamarca, a França e, pasmem, os EUA!
    Quem acredita nessas palavras, seja servidor ou empregado da área privada, tem o dever consigo, sua família e seu País de repassar este tipo de informação que nunca será publicado por Jornal algum, pois fortalecer o Estado e garantir retorno por imposto pago pelo contribuinte não é interesse de empresas. Empresa quer Estado fraco, corruptível, dominável, incapaz de fiscalizar as empresas e, de preferência, que possibilite que os impostos pagos fiquem com ela, prestando se4rviço público através de privatização, concessão ou terceirização.

    Essa é a verdade.

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