segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Crítica ao artigo "Em dez anos, mais 144 mil servidores federais", publicado no Jornal O Globo

O artigo em questão foi publicado na página 4 do Jornal O Globo, em 31/08/2015. Procurou demonstrar que houve aumento de servidores do Poder Executivo à razão de 28% entre 2003 e 2013, de 456 mil para quase 600 mil. Fez um corte por órgãos da administração pública federal, especificando quantos servidores havia em 27 órgãos e quanto há hoje em dia. A Presidência da República, por exemplo, cresceu de 3.744 para 9.113, o que é sem sentido em nosso ver, já que a função da Presidência da República e sua atuação não parece ter multiplicado por três nestes dez anos. Mas vários outros aumentos pareceram justificáveis. A apresentação dos números foi ótimo. Algumas informações e contextos é que nos pareceram ruins.

O contexto é de crítica a gastos públicos, precedido de artigo amplo sobre o déficit orçamentário e a aproximação de data para votação de projetos que dão correção inflacionária a servidores, o que é dito como "aumento" por toda a edição e artigos do Jornal. Então, vamos analisar a notícia neste contexto.

Primeiramente o que foi dito de mais importante e que o Blog Perspectiva Crítica já disse várias vezes: corte de juros da dívida pública economizaria mais do que tudo que se possa cortar e ainda estimularia o investimento. Quem afirmou essa mesma coisa foi José Celso Cardozo, pesquisador do IPEA. Em suas palavras:

"Há uma medida que poderia ser adotada nessa reforma, mas que está sendo deixada de fora da discussão: a queda nos juros da dívida pública, que faria com que o governo passasse a pagar menos a quem tem títulos da dívida pública. O governo economizaria com isso muito mais do que incorporando ministérios ou mudando status de pastas."

Sim, de fato. Essa foi a melhor informação do artigo. A conta de juros paga pelo tesouro passa de 250 bilhões de reais anuais. O rombo será de 89 bilhões de reais, aparentemente. E há outras formas de controlar a inflação que não aumenta juros da dívida pública e nem pagamento desse juros, como depósito compulsório, como faz a China. Já tratamos disso por aqui. O pagamento de juros é investimento maior do que com educação e saúde. Mas pouco se fala nisso, pois enriquece bancos e poucos investidores em todo o Brasil.

Fora isso, as informações ficam piores.

A comparação de quantidade de Ministérios entre vários países, chegando-se a uma média de 24 Ministérios por país, como algo razoável, deixa claro que temos Ministérios demais, mas enaltece a idéia do título de que talvez haja servidores demais, o que é uma mentira. Pode haver servidores a mais em locais que não necessitam, mas toda nossa máquina pública é carente de servidores.

Se a matéria fosse séria, teria publicado a comparação entre a relação "servidores público por trabalhadores" em todos os países e constataria que enquanto nos países ricos essa relação está entre 15% (EUA e Chile, por exemplo) e 35% (Dinamarca, Suécia, Noruega, por exemplo, passando por 24% (França), o Brasil está com 10,7% de toda a classe trabalhadora no setor público (Dados da OCDE ano de 2011, já publicado neste Blog).

Então, o setor público não está inchado. Mas os cargos comissionados parecem exagerados. Apesar de ter publicado que no Poder Executivo Federal esses cargos aumentaram de 16,6 mil em 2003 para 23 mil em 2013, já foi publicado que eles chegam a 118 mil em todo o País. Mas na Alemanha eles são 600, na Inglaterra 500 e nos EUA não passam de entre 2 mil a 4 mil. Neste particular nos parece que há inchaço de cargos comissionados, sim. E esses são aqueles cargos oferecidos pela Presidente aos partidos em troca de voto.. portanto, olhar para esses cargos pode melhorar as contas públicas e as práticas democráticas, não é mesmo?

Uma última coisa interessante que o artigo traz, tão produtiva quanto a sugestão de diminuição de juros da dívida pública, é a falta de critérios para aferir o serviço dos servidores. A gestão pública de recursos humanos é ruim. O problema não são os servidores, mas sua gestão. Apesar de ter melhorado muito nos últimos anos, criando-se avaliações periódicas, a gestão ainda não é boa e por isso os serviços públicos poderiam ficar melhores mesmo com os poucos servidores que existem atualmente. Dentro desta gestão está também a adequada remuneração, o que hoje também é problema e os projetos no Congresso tentam corrigir esse aspecto do problema.

Mas, observe, a mídia não está a favor do gerenciamento profissional da questão. As publicações deste artigo e a do artigo principal "O Rombo no Orçamento", na página 3 desta mesma edição, são no sentido de que há inchaço da máquina pública e que talvez a demissão seja interessante. Senão, ao menos o impedimento de "aumentos", já que o orçamento está deficitário e o "servidor público (que não pode ser demitido) tem que dar sua cota de sacrifício" (Relator Geral do Orçamento de 2016, Deputado Ricardo Barros PP-PR, citado no artigo "Rombo no Orçamento").

Ora, a informação recente no Valor Econômico é de que uma das únicas contas que não cresceram foram as dos servidores. Mesmo com contratação em alguns setores e Órgãos, além de faltarem muitos servidores (pergunte no IBGE, IPEA, CGU, se há excesso de servidores para eles.. rsrsrs), enquanto em 2002 os gastos com servidores eram 5,4% do PIB, hoje são 4,1%. Essa relação nos outros países também não foi publicada pelo Jornal.. rsrs.

Então, para resumir, mais uma vez sugere-se inchaço de servidores que na realidade não existe para a maioria dos setores públicos. Sugere-se que os servidores, alguns sem correção inflacionária há 9 anos, continuem sem ela porque o "orçamento está deficitário" ou porque a "economia está mal e o servidor deve dar sua parte de sacrifício". Quer dizer, ao invés de adotarem-se medidas de responsabilidade na administração pública, diminuindo ministérios, diminuindo cargos em comissão e terceirizados, diminuindo juros da dívida pública a serem pagos (alterando a política monetária), a solução é sempre a mesma: explodir a conta nas costas dos servidores públicos condenando-os a continuarem a perder renda para a inflação. E também, quem sabe, parar de contratá-los... mesmo que mais 400 deles trabalhando no Porto de Santos, como já publicado neste mesmo Jornal, pudesse viabilizar o trabalho em regime de 24 horas seguidas e aumentar o fluxo de mercadorias em 50% a 60%, aumentando em 10% todo o comércio internacional por portos do País, criando empregos, renda e arrecadação.

É esta reprodução em massa de uma visão míope sobre o funcionalismo público que, aliado a outras coisas, muito impede uma melhoria do serviço público, da qualidade de vida do cidadão brasileiro que precisa do serviço dos servidores públicos, e que mantém toda a sociedade alheia, por exemplo do fato de que o que se paga a bancos pelos títulos da dívida pública, pagando juros estratosféricos, é muito mais do que o governo investe em educação e saúde.

Artigo ruim e pouco informativo, como normalmente ocorre ao se tratar de artigo sobre administração pública no Brasil.

p.s. de 1º/09/2015 - Para conferir que países mais ricos e de Administração Pública têm mais servidores do que o Brasil, acesse o artigo "OCDE comprova: Países de maior IDH e ricos têm até três vezes mais servidores públicos do que o Brasil", no endereço http://www.perspectivacritica.com.br/2014/08/ocde-comprova-paises-de-maior-idh-e.html

p.s. 2 - Para conferir como o gasto público com juros da dívida é muito maior do que o investimento público em Educação e Saúde, dentre outras áreas do interesse público, acesse o artigo "A prova do roubo de qualidade de vida do brasileiro para pagamento de juros da dívida de forma injustificada", no endereço http://www.perspectivacritica.com.br/2014/03/a-prova-do-roubo-de-qualidade-de-vida.html

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Análise da Declaração de mea culpa da Presidente Dilma

Mais uma vez o amigo Oswaldo Tolesani traz à baila bom tema para discussões. Perguntou, no Facebook, a minha opinião sobre a declaração de Dilma sobre o fato de que não havia percebido a gravidade da crise econômica. Reproduzo abaixo minha resposta e em seguida a complemento para o Blog Perspectiva Crítica.

Texto reproduzido:

"Na minha maneira de ver, mais uma vez o marketing dela errou. Preferiram a clássica fórmula de tentar apagar o debate a partir da assunção de um erro. Houve erros? Sim. Mas a política anticíclica manteve emprego e crescimento até 2014, enquanto EUA e Europa amargaram queda de PIB, recessão e desemprego. Ela deveria falar a verdade, se é que ela sabe.. rsrsrs. Mas preferiu seguir a assessoria de comunicação e marketing eleitoral e partir para tentar apagar o debate sobre os problemas econômicos simplesmente assumindo - os como dizem.

A verdade é aquela que publiquei no Blog Perspectiva Crítica: crise internacional desde 2008 exigiu medidas anticíclicas, as quais atrasaram nossa queda econômica; esta se tornou inevitável por falta de retomada de crescimento econômico consistente nos EUA e Europa, incluindo China e Índia. Como medidas de incentivo ao consumo (dentro da política anticíclica) endividaram as famílias, hoje não se pode vender para dentro do Brasil ou para o exterior. Vender pra quem? Ninguém. Então as indústrias produzem menos, gerando a queda econômica.

Soma-se a isso, a questão elétrica e de controle do preço da gasolina, as quais não darão pra serem explicadas aqui, mas estão explicadas no blog. A verdade é essa. Mas a presidente, com sua infinita capacidade de não se comunicar, prefere entregar esses pontos ao invés de falar a verdade, demonstrando sua vacilação e talvez falta de noção sobre o que foi feito."

O erro foi grande em adotar essa postura na minha opinião. Para mim passa recibo de que não sabia o que estava fazendo. Talvez não soubesse.. rsrsrs. Quem sabia com certeza era Mantega. A questão é clara como exposta em pouquíssimas linhas da transcrição acima. E agora? Quando as coisas voltarão ao normal? Senhores, mais uma vez a resposta parece simples: quando a economia mundial voltar a crescer, quando a China voltar a crescer, quando o endividamento das famílias retroceder, todos fatos que precisam de tempo.

Há o que se fazer para modificar mais rapidamente esse quadro? Sim. Não precisa simplesmente seguir a receita mais brutal ortodoxa que ceife o máximo de empregos e crescimento para melhorar a economia, como a entourage da grande mídia e do mercado financeiro querem. Mas a União tem sido lenta em tomar atitudes. Deslanchar licitações de aeroportos, ferrovias, rodovias é muito importante. Criar condições privilegiadas para investimento em desenvolvimento de novas tecnologias e novos negócios no mundo da tecnologia ajudaria muito. Pacotes de compensação tributária a partir do investimento. O investimento tem que ser incentivado. Não é dar subsídio para atividade que já existe, mas incentivar novas. Gerou receita? Tem compensação tributária.

Também não há estudo de onde seria necessário aumentar presença de servidores públicos para incentivar investimentos. Por exemplo: já houve notícia de que a contratação de 400 servidores públicos tornaria possível que o Porto de Santos trabalhasse 24 horas, gerando de 50% a 60% a mais de exportação daquele Porto que é responsável por 20% do total da exportação/importação brasileira, que hoje está em torno de 500 bilhões de dólares no total. Não vale a pena? Gastar com 400 servidores, à base de 12 mil reais cada, ou seja, 4,8 milhões de reais mensais ou em torno de 50 milhões de reais anuais, para obter em troca aumento de 50 bilhões de dólares anuais (10% do fluxo anual de importação/exportação do Brasil) em exportação/importação? Mas a abordagem do tema "contratação e pagamento de servidores" em nossa sociedade só existe pelo lado do "gasto público".. é risível.

Então, a mídia não ajuda, mas a Presidente também é semi-inerte.

Quanto à questão da energia elétrica, já explicamos aqui. Houve uma argumentação legítima para a alteração contratual que gerou baixa de tarifa. Ela poderia ter ficado explicando corretamente isso. Mas isso não ocorreu. Falhou a comunicação presidencial. Era simples de entender e já explicamos isso em outros artigos. Mas houve a pior seca de nossa história nos últimos 89 anos. A receita das hidrelétricas minguou e tornou inviável a atividade com a nova tarifa. Necessário reverter isso e essa reversão elevou a tarifa em mais de 50% este ano de 2015.

A questão do petróleo também foi péssima. O controle do preço da gasolina da forma como ocorreu foi um erro. Sempre chamamos atenção para isso. Prejudicava muito a Petrobrás. Mas o pior foi (economicamente falando), a Operação Lava-jato, criando grande problema interno com reflexos nos investimentos da Petrobrás, ao mesmo tempo em que houve a manipulação do preço do petróleo internacional pela Arábia Saudita (com ou contra os EUA, depende da tese que você adota). Isso criou grande problema para uma empresa que mexe com dezenas de fornecedores de todas as espécies e ajudou a derrubar o emprego e a atividade econômica nacional. As correções do preço do diesel e da gasolina e do gás também geraram problema econômico nesse ano de 2015 (pressão inflacionária).

Por fim, controlar a inflação, sob pressão dessas correções de energia elétrica, combustíveis e preços administrados (segurados desde 2013 por causa das também das movimentações cidadãs de rua desde junho de 2013), somente com aumento de juros, sem usar outros meios, como aumento de depósito compulsório, também ajuda a derrubar a economia de forma geral, piorando as contas públicas e pressionando mais negativamente o perfil da dívida do País com reflexos negativos para a confiança dos empresários em retomar os investimentos. E esse quadro gera o que vivemos hoje: inflação alta, quadro semi-recessivo econômico e aumento de desemprego com perda de renda média.

Mas se o quadro fosse o fim mesmo, ninguém preveria baixa de inflação para o ano que vem com retomada de crescimento a partir de junho de 2016. Então, a Dilma foi imbecil em adotar a postura de que o quadro escapou à sua percepção. Ou ao menos a comunicação presidencial errou, a nosso ver.

Deveria ter feito mea culpa sim, mas sobre as questões corretas, como diminuição de Ministérios, diminuição dos 118 mil cargos em comissão (na Alemanha são 600 e na Inglaterra são 500). 118 mil é mais do que todos os cargos efetivos e comissionados de todo o Poder Judiciário da União, para se ter noção!!! Mea culpa sim, para prover a República de cargos públicos na quantidade, qualidade e onde se precisa em todo o País, para tornar o ambiente burocrático e de negócios mais eficiente, como ocorre na Alemanha e em todos os países desenvolvidos. Mea culpa sim, por não ter sido ágil par criar e incentivar ambiente de investimentos, por ter errado na política de combustíveis, ainda mais prejudicando a indústria brasileira de álcool combustível. Agora, dizer que não viu que a crise era como se apresenta pura e simplesmente? No mundo inteiro não se podia saber que a China, por exemplo iria ter queda de pib da forma como se apresenta (a China crescerá abaixo de 7% esse ano), nem que o petróleo iria a menos de 40 dólares, ou que haveria a pior seca de 89 anos, ou que Europa e os EUA demorariam tanto a se recuperar.

Mas é isso.. declaração pífia, demonstra a envergadura do político. A verdade é que parece que ela está perdida mesmo.. e nessa medida, a declaração não poderia ser mais própria.

p.s. de 1º/09/2015 - Texto revisto.