Como o serviço público no Brasil ficou tão ruim? Desde quando? Por quê? Há solução? Como resolver isto? A partir de quando é possível? E por que é necessário um bom serviço público? Como é no exterior?
Numa pausa de críticas a artigo de jornal, como sugerido na introdução do blog, vamos propor alguns temas, já que quando você somente critica artigos de jornal você na verdade não inova na pauta sobre os assuntos em discussão. No momento, em que a eleição para presidente se aproxima, temos em voga hoje um grande tema que recorrentemente é mal abordado pela grande mídia. É até, eu diria, levianamente abordado em prejuízo ao seu interesse como cidadão brasileiro.
A maneira como a grande mídia ataca o funcionalismo público e distorce a realidade dos fatos, nunca sugerindo soluções, nem ponderando sobre a melhor forma de conduzir um assunto que ela entenda que esteja sendo executado erroneamente e muito menos elogiando as conquistas para a sociedade resultantes da modernização constante do nosso serviço público serão abordados em outros artigos, mas deixo aos meus amigos e leitores desse blog a garantia e a promessa de que em uns cinco artigos que escreverei sobre o tema deixarei evidente uma realidade que nunca será abordada pela grande mídia.
Ela, a grande mídia, nunca abordará da forma que eu farei porque, como sempre digo e escrevo aqui, não há interesse em informar o leitor para que ele compreenda o que é, como funciona, qual a finalidade, qual o alcance positivo para a sua vida de uma eficiente máquina pública e, muito menos, como se fazer para chegar lá. Isto porque, deixando claro que o tema não pode ser abordado de forma muito simplista, um dos grandes motivos é que serviço público não publica em jornal, mas empresas terceirizadas publicam. Assim, quanto pior for e ficar o serviço público, mais a grande mídia pode bater no serviço público e legitimar a terceirização de todos os serviços possíveis, obtendo, além de imaginado alívio em cobrança de impostos (já que a máquina pública diminuiria e talvez a pressão por pagamento a funcionários públicos), a grande mídia ganharia hordas e hordas de clientes em potencial para fazerem propagandas de serviços, como as concessionárias já fazem, por exemplo a CCR. Mas isto é o melhor para o seu interesse? Veremos na série de artigos mais à frente.
Agora, sobre nosso tema de hoje, importantíssimo para você entender o que foi, o que é e o que deverá ser o serviço público, de acordo com o seu interesse de contribuinte brasileiro, teço as seguintes considerações, apresentando um histórico resumido da capacidade de financiamento e de pagamento do Estado Brasileiro, desde 1960 até hoje e como isto influiu na evolução (ou involução) da qualidade e quantidade da prestação do serviço público, até chegarmos aos dias de hoje e, a partir da mesma análise demonstrar que este é o melhor momento de recuperarmos os serviços públicos, para o nosso bem, para o do País, para o de nossas famílias e o futuro de nossos filhos e netos.
Em 1960, o Brasil vinha de um período democrático prodigioso, desde ao menos a Constituição promulgada em 1946, após o fim do Estado Novo. Após o exercício da Presidência por vários Presidentes eleitos, dentre eles o próprio Getúlio Vargas, de 1951 a 1954 e Juscelino Kubitschek, de 1956/1961, o Brasil aprendeu a se orgulhar de seu País e de seu Estado. Mesmo durante o Estado Novo, após o golpe de 1930, por Getúlio Vargas, a popularidade do Estado, da idéia de Estado e assim o prestígio do serviço público estiveram em alta, em função do apoio popular e das classes médias ao movimento de fim da República Velha, chamada de “Café com Leite”, pois era uma república formal em que a sucessão da Presidência entre paulistas e mineiros era uma constante combinada.
Não à toa, 1960 eram considerados os anos dourados. Aqui e no mundo ocidental. Lembre-se que a Segunda Guerra acabou em 1945 e após maciços investimentos dos Estados Unidos na Europa, com valores antes obtidos da própria Europa (na venda de toda a sorte de bens, tais como munição, armas, comida, sapatos, roupas, enfim tudo, já que a indústria européia e na verdade toda a Europa estava destruída pela guerra), com a finalidade de não deixar seu grande devedor colapsar e impedir o pagamento da dívida, assim como para impedir o avanço do socialismo, a economia européia pôde se reerguer. Em 1960, vivia-se um período de paz e re-estruturação e crescimento econômicos. Isto gerou liquidez nos mercados internacionais. Valores podiam ser aplicados. O único risco ao status quo à vista seria o avanço do socialismo vindo da União Soviética.
Mas veja, na Europa o Estado, com o financiamento americano, pôde ser reconstruído e prover bem-estar, emprego para a sociedade. No Brasil, grandes empresas estatais apresentavam um futuro promissor: Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), criada no Estado Novo, em 1941, Vale do Rio Doce, em 1942, CHESF, em 1945, BNDES, criado em 1952, Petrobrás, fundada em 1953, RFFSA (Rede Ferroviária Federal), em 1957, Furnas, em 1957, Eletrobrás, em 1962, Banco Central, em 1964, Telebrás, em 1971. Todas estas empresas significavam criação de empresa, riqueza e bem-estar ao brasileiro e ele assim reconhecia. A imagem do Estado e do funcionalismo público não era o de um peso, apesar de tudo isso ter gerado dívidas para o Estado. Era necessário. A área privada nunca conseguiria montar uma estrutura dessas e os brasileiros e o Brasil tinham a criação e produção de serviços públicos que notoriamente melhoravam a vida da população. Banco do Brasil, criado em 1808 e a Caixa Econômica e Monte de Socorro, criada em 1861 (hoje Caixa Econômica Federal), foram criadas antes, mas também tinham sua importância notável e notada em sociedade.
O que quero ressaltar é a plêiade de empresas estatais que garantiam o crescimento do Brasil, criação de empregos tanto na área pública como na privada, eis que com estas empresas o Brasil cresceu sua economia e pôde criar a condição para que as empresas privadas viessem a se organizar e se desenvolver melhor. Mas a boa impressão do Estado era realimentada pela boa prestação de serviços públicos e a sociedade reconhecia a função essencial dos cargos públicos como garantidores de bem-estar social. Era uma época de excelente relacionamento entre o Estado e a sociedade brasileiros. Nem o crescimento astronômico da dívida brasileira com a criação de Brasília por Juscelino era um problema, pois não repercutia no cotidiano de ninguém, além de ser de extrema importância para a interiorização da população e máquina pública brasileira.
Nesse universo, riqueza era gerada internamente no País e um novo País, com avanço populacional, inclusive, surgia, havendo também, naturalmente, crescimento de arrecadação e necessidade e possibilidade de estruturar o Estado adequadamente com seus serviços públicos para a população. Estamos em 1960. A carreira de professor público é altamente prestigiada, por exemplo. As melhores escolas são públicas e a classe média se esforçava para que os filhos pudessem freqüentar uma, pois a estrutura e qualidade das escolas particulares não eram boas.
A partir de 1964, com o golpe militar, justamente sob o argumento (e alguns fatos demonstravam que havia um pequeno risco realmente – ex. João Goulart apoiou uma revolta de marinheiros contra oficiais, o que consubstanciava quebra da hierarquia militar) de risco de adoção do comunismo, começa o rompimento da identificação da sociedade com o Estado. Não no primeiro momento, em que a classe média apoiou o golpe, mas principalmente a partir de 1968, após o ato institucional n. 05, que deflagrou o período mais duro da ditadura e a perseguição a brasileiros críticos do regime ocorria, enquanto vidas de brasileiros (não tanto quanto de chilenos e argentinos) foram ceifadas.
Mas, ainda, os benefícios de uma boa estrutura de serviço público, ao menos nas grandes cidades e metrópoles, concentradora já de grande parte da população brasileira, existia, com boa remuneração de funcionários, gozando ainda de prestígio social e tendo reconhecida a prestação de seus serviços para a sociedade.
A ditadura pôde manter essa estrutura e depois ainda incrementá-la (algumas estatais importantes foram ciradas durante a ditadura), já que com o apoio americano conseguiu obter financiamento internacional, facilitado por uma boa situação econômica mundial, principalmente a partir de 1970, época do milagre econômico, realçando ao menos superficial e imediatisticamentemente os laços com a sociedade. Entretanto, a partir da primeira crise do petróleo, entre 1973/1979, tudo mudaria.
Com as crises do petróleo em 1973 e 1979, as fontes de financiamento externo secaram. A possibilidade de o Brasil rolar suas dívidas ficavam cada vez piores. Sem produção capaz de gerar arrecadação que pagasse todas as suas obrigações, as finanças do Estado começam a cair e a inflação surge. Nestas condições, com a forma mecânica de ver a sociedade, natural de uma Força Armada, incentivos remuneratórios e de carreira, se já não eram tema de administração pública e gestão de pessoal (a reforma administrativa de 1967 não muda este fato, sob a perspectiva integral do período ditatorial – 1964 a 1985), na área pública civil, com as crises e sem financiamento externo, tornava-se impossível qualquer investimento na prestação de serviço público.
A partir de então, como processo iniciado na ditadura e sedimentado pela crise do petróleo e financeira mundial a partir de 1973/1979, sem trégua, a remuneração dos servidores públicos de todo o Brasil perde valor, ante a falta de planos de cargos e salários, ante a falta de planejamento administrativo, financeiro e orçamentário, ante à impossibilidade por inexistência de financiamento externo e, por fim, ante à total impossibilidade de o fazer.
Em seguida, há nova crise do petróleo em 1980, com a guerra do Irã-Iraque, e as conseqüências são a continuidade e recrudescimento do que já mencionei. O Brasil experimenta o ostracismo econômico que culmina com a hiperinflação em 1989.
Durante todo esse período, não há como investir em prestação de serviço público ou pensar em carreira ou estímulo à carreira pública. Além disso, o Estado já havia deixado de ser entendido como provedor de bem-estar social, sendo visto como um peso na vida do brasileiro, tanto por sua ineficiência, como pela falta de prestação de serviço público em qualidade e quantidade. Os servidores públicos, com salários achatados, a não ser alguns poucos da área administrativa federal de suma importância para a organização do Brasil naquele momento (nas estatais muito principalmente), perdem estrutura para atender às demandas sociais, perdem reconhecimento social e estímulo, e muitos têm de arrumar outro ou até mais dois empregos para garantir qualidade de vida à sua família. O serviço público vira biscate, algo que garante uma renda fixa mas que não pode ser vista como exclusiva, sob pena de perda de qualidade de vida da família do servidor.
Bem, nestas condições, naturalmente é instalado um círculo vicioso altamente negativo para o interesse da sociedade brasileira, quanto pior é o salário, menos comprometimento tem o servidor, pior é o serviço público prestado, maior é a perda de prestígio da carreira pública, menor é o interesse da sociedade em cobrar por investimentos nos serviços públicos e, conseqüentemente, do Estado em valorizar o servidor, gerando mais achatamento de salário e assim por diante.
Esta, senhores, era a situação em que nos encontrávamos até 1994, ano do plano Real e da estabilização inflacionária. Hoje, após 16 anos de estabilização econômica, a situação se inverteu, mas os jornais parecem não prestar atenção ou não estarem preparados para isso. A economia cresce às mais altas taxas no mundo, a criação de emprego é constante, as finanças públicas nunca estiveram melhores, até porque a época de melhor capacidade de investimento anterior a esta foi entre 1961 e 1970, com financiamento externo barato e hoje o nosso endividamente externo é controlado e a relação dívida/Pib é decrescente.
Não podemos jogar fora a oportunidade de refazer o serviço público brasileiro. Serviço público é a única coisa que o Estado te provê, em compensação pelo imposto que você paga. Por que assistir a países europeus como Irlanda, oferecendo um servidor para cada 13 habitantes e o Brasil ter 1 servidor para cada 32 habitantes? Por que a Inglaterra, centro de irradiação do liberalismo, terra de John Locke e Adam Smith (escocês, na verdade), pode oferecer um servidor para cada 29 habitantes e nós um para cada 32? Por que a França pode oferecer um servidor para cada 12,5 habitantes e a Alemanha um servidor para cada 18 habitantes? Podem conferir essas relações no artigo do Jornal O Globo de 08 de junho de 2010, página 21. E quais são os salários desses servidores públicos? O salário mínimo na Europa é de 1.500 euros.
Pessoal, é importante entender que o Estado brasileiro é rico. Somos a nona economia do mundo, enquanto na Europa há em torno de 30 países. Há concentração de renda, mas isso não é por causa do funcionalismo como alguns apregoam. Funcionário Público não tem mansão em Angra. Saibam que enquanto nos Estados Unidos há imposto sobre herança (incluindo todos os bens) que varia de 3% a 77%, segundo informação prestada por Francisco Dornelles em site eletrônico, no Brasil não foi regulamentado o imposto sobre grandes fortunas, nem será. Mesmo que alguém passe um bilhão de reais aos filhos, paga 4% que é o imposto sobre transmissão causa mortis e por doação (ITD). Nos Estados Unidos as famílias ricas fazem seguro para garantir que parte substancial do que acumularam fiquem com seus filhos, mas há política de redistribuição de riqueza inter-gerações, que aqui não há.
Retomemos o sentido do funcionalismo público na lógica do Estado. Retomemos o sentido do funcionalismo público para a garantia do bem-estar da população. Exijamos investimento no setor público, para garantir quantidade de funcionários e com remuneração adequada, para que eles se dediquem exclusivamente à prestação do serviço público a nós. Instituamos, como já vem sendo feito, metas de produtividade e fiscalizemos este atingimento (hoje, na área judiciária, o CNJ faz isso para todo o Brasil). Mas não caiamos na fácil e desinteressante lógica de que sem qualidade e quantidade de prestação não devemos remunerar melhor nem investir no serviço público. É justo o contrário. Temos de ver o funcionalismo sob a perspectiva de o que deve ser de hoje para frente. E mais, um serviço público bem estruturado e remunerado, além de garantir boa prestação de serviço público para você e seus familiares, garantindo retorno pelo imposto pago, cria opção de emprego para quem tem essa vocação e compete com a área privada por trabalhadores, obrigando-os a melhor valorizar seus trabalhadores. Você já imaginou, por exemplo, todos os altissimamente qualificados engenheiros e empregados públicos da Petrobrás no mercado, procurando emprego? Você já imaginou os altissimamente qualificados Promotores de Justiça, Defensores Públicos e Procuradores Autárquicos advogando e procurando emprego de advogado?
Investir no serviço público agora que temos condições orçamentárias, financeiras e econômicas é uma excelente medida para garantir retorno pelo imposto pago, estimular a melhoria nos serviços públicos, criar ou manter oportunidade de emprego para milhares de cidadãos, inclusive seus filhos, se esta for a vocação deles. Tratarei das inumeráveis vantagens de se investir em serviço público, mas quero deixar claro que o momento de diminuirmos a diferença para o serviço público europeu é agora.
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