segunda-feira, 13 de junho de 2011

Caso Cesare Battisti: Por que o STF acertou?

Pessoal, tendo em vista a repercusão que o caso do italiano Cesare Battisti tomou na imprensa nacional e estrangeira, e incentivado pelo nível zero de técnica apresentado por ambas as publicações no Brasil e no exterior (muito focadas em uma perspectiva política e subjetiva), tecerei umas considerações suficientemente claras e simples para que você saiba mesmo o que ocorre, porque o que está sendo publicado sobre o caso é nada mais, nada menos, do que lixo. É matéria sensacionalista no Brasil e no exterior, em especial na Itália, e sem qualquer enfoque técnico ou informativo.

Deixo claro que falo sobre as matérias lidas em jornal e não tive acesso aos autos ou mesmo em relação aos votos de cada Ministro do STF sobre a questão, mas, meu parco conhecimento de Direito me autoriza a tecer algumas considerações que fazem muito mais sentido do que aquelas que nos são oferecidas pela mídia nacional e estrangeira e, com certeza, se não fosse o baixíssimo nível técnico de suas publicações, naturalmente eu ficaria quieto, ou teria de ler muito mais para escrever as mesmas linhas que agora lhes escrevo. Mas como os jornais publicam besteira, neste caso, estou em muito melhores condições de trazer-lhes considerações de nível melhor do que o que temos tido a oportunidade de ler.

Quero compartilhar logo essas informações e, nestes termos, e não na forma de parecer jurídico, escrevo a vocês; claro, explorando a credibilidade que teimo em achar que gozo entre vocÊs, meus amigos e leitores. Vejam então a minha leitura dos fatos que chegaram a mim pelos jornais.

O STF não errou. Ele foi colocado em uma situação em que havia algumas possibilidades de solução, mas não se tratou de um pedido de extradição em condições comuns e a postura que adotou foi complexa e totalmente de acordo com nossa Constituição e devo dizer que não posso atacar a decisão do STF. Portanto, brasileiro que sou, devo defender a posição técnica do STF.

O que ocorreu é que o Governo italiano requereu a extradição do italiano Cesare, fugido e condenado na Itália por quatro assassinatos. Se fosse somente isso, não teria muito problema, pois apesar de ter sido julgado à revelia, parece que não houve qualquer erro procedimental no processo criminal italiano, e o italiano seria extraditado. Sendo assim, não houve erro de avaliação dos diplomatas italianos e fizeram o pedido corretamente.

Mas o problema é que a defesa de Cesare Battisti alegou perseguição política na Itália, obrigando a análise das condições equivalentes à concessão de asilo político. Só que o STF não tem competência para decidir sobre asilo político, o que é competência exclusiva do Executivo. Sendo assim, em uma decisão inédita, uma decisão do STF teve de depender primeiro da análise e posição do Presidente da República, o único competente para avaliar e conceder asilo político.

O Presidente Lula, na época, avaliou a questão com juristas brasileiros e a Advocacia Geral da União, e ponderou a hipótese como perseguição política ao italiano. E havia várias razões para isso. Os crimes foram cometidos em época de ebulição política na Itália, Cesare participava de partidos radicais de esquerda e vários crimes com conotação política ocorreram naquela época, assim como ocorreram no Brasil contemporaneamente entre 68 e 79. E o governo atual na Itália é de direita, justamente o inimigo político dos partidos radicais de esquerda daquela época integrados por Cesare.

Sendo assim, o nosso Presidente da República entendeu que não era hipótese de extradição, já que o Governo Federal considerou o italiano Cesare perseguido político. Com a comunicação desta decisão ao STF, nada mais havia a ser feito, a não ser verificar a legalidade do ato decisório do Presidente da República. Foi considerado legal pelos Ministros do STF, em maioria. Cesare, assim, não poderia ser extraditado e deveria ser posto em liberdade, vivendo no Brasil na condição de asilado (ou refugiado), provavelmente, apesar de eu não ter lido isso. E está solto.

Onde se encontra a humilhação do Governo Italiano? Qualquer um que estudou Direito (ou não) sabe que você pedir ao Judiciário não significa que ganhe o que pretende. O caso é inédito. Os diplomatas italianos não poderiam saber que a decisão política sobre a extradição seria necessária, tendo em vista as especificidades da Constituição Brasileira. Foi novidade até para os Ministros do STF!

Agora, o que não pode é os italianos e a mídia italiana quererem que não apliquemos nossa Constituição, através dos intérpretes máximos brasileiros que são os Ministros do STF, para que eles fiquem felizes ou concretizem uma perseguição pessoal/social contra o seu cidadão. Isso é muito conveniente para Berlusconi, que passa por milhares de problemas políticos, sendo o mais recente o da prostituta menor Ruby, e tem nesta palhaçada capitaneada pela mídia italiana, que é de Berlusconi, uma pausa na atenção contra si.

Consideração espera-se de amigos. Mas respeito exige-se de qualquer um. O povo italiano, conhecido por ser amável e passional, deveria não abraçar essa cruzada midiática contra a decisão ponderada e soberana brasileira e prestar atenção em como a mídia italiana os está distraindo de problemas internos muito mais importantes. E os brasileiros deveriam entender o que ocorreu para não posarem de papagaio de pirata. Eu posso querer que um assassino estrangeiro saia daqui do Brasil, mas não posso admitir que um país estrangeiro diga o que eu devo entender sobre a minha Constituição Federal.

Há decisões do STF de que não gostei, por exemplo a que arquivou a investigação contra Palocci sobre a quebra de sigilo de um caseiro. Foi 6 x 5. Para mim, ali você pode colocar dois times no STF: os pró-governo e os autônomos. Aquele foi um divisor de água. Mas não posso questionar o veredito final. As questões judiciais devem chegar a termo, a um fim. Não gostei da decisão sobre a Fazenda Raposa do Sol que prejudicou quase 50% do PIB de Roraima e juntou um terreno de índios primos no Brasil, Suriname e Venezuela, criando um hoje pequeno risco de soberania. Mas foi decidido que a autonomia daquelas terras indígenas seria em toda a extensão em bloco e não em terrenos divididos. Tudo bem, com dezoito condicionalidades. Tudo bem.

E o mesmo aqui, gente. Decidir não é fácil, mas é ato soberano brasileiro. Quando a Inglaterra foi intimada pelo Juiz Espanhol para prender o ex-ditador Pinochet, por crimes conta a humanidades, a Inglaterra não o fez. Por serviços prestados à Inglaterra na Guerra das Malvinas (uma retaliação chilena a uma dívida histórica que entendia que a Argentina tinha consigo), a Inglaterra não o prendeu. Sofreu em sua imagem pública, mas manteve seu projeto de Nação Soberana.

Nosso caso é muito mais defensável do que o da Inglaterra naquela situação e você não viu os ingleses se voltarem contra seus políticos e seu País. Houve meia dúzia que fez movimento e tal. Tudo bem. Mas o que vale é seu País ter projeto de soberania e este projeto é a concretização dos termos de nossa Constituição Federal. Quem pode falar por último nessa matéria é o STF e sua decisão, na hipótese, é totalmente defensável.

Portanto, peço aos italianos que se contentem com o exílio de Cesare Battisti, porque quando pedimos que Cacciola fosse extraditado, a Itália não nos mandou o brasileiro condenado. Tudo bem, ele tinha cidadania italiana. Mas eu aceitar que não mandaram Cacciola porque é cidadão italiano é respeitar regra constitucional que impede a Itália de fazer tal extradição. Tivemos de esperar ele ir à Mônaco para pegá-lo. E pegamos. Então, espero que os italianos respeitem nossas regras como respeitamos a deles e esperem Cesare em outro País para fazer o mesmo.

Por fim, resta aos italianos pedirem que executemos (concessão de Exequator pelo STF) a decisão judicial italiana de prisão perpétua no Brasil (o que não me lembro terem feito por nós na Itália contra Cacciola). Mas aí, aguardem, teremos outro problema. A Constituição Brasileira não admite pena de tortura, morte ou prisão perpétua. Então, após nova análise sobre a legalidade do processo condenatório italiano, segundo as leis italianas, em respeito àquele país, é bom que se diga, se tudo estiver certo, no máximo o italinao ficará preso no Brasil por trinta anos, sem contar a hipótese de obter livramento condicional, nos termos da lei. Essa é a nossa lei, até que nós (e mais ninguém) a mudemos. E ponto.

p.s.: Encontrei um artigo on line no Jornal Estado de São Paulo que dá umas informações boas sobre o caso, compensando minha falta de acesso detalhados aos fatos. No final, com esse artigo do blog e o resumo do Estadão você fica com uma melhor informação. Acesse: http://www.estadao.com.br/especiais/entenda-o-caso-cesare-battisti,49329.htm

3 comentários:

  1. Olá Mário, peço a licença para comentar alguns outros pontos sobre o caso que você não abordou no seu “post” e é muito relevante para situar o Brasil com os seguintes pensamentos:

    1 – Se houvesse um país que a Itália deveria se revoltar era com a França, pois essa nação sempre esteve próxima de Battisti. Quando iniciaram a perseguição dele naquela época e ele entendia que teria pouca chance para sua defesa e fugiu para a França. Lá, ele se casou , teve uma filha, viveu por 12 anos, não fez questão de se esconder e, inclusive, obteve o apoio de uma parte da esquerda partidária, até ganhou o título de cidadão honorário de Paris.

    2 – A resposta francesa foi doutrinária naquela ocasião na chamada doutrina Miterrand, onde os refugiados poderiam pedir asilo na França, desde que se submetessem a certas condições previstas na constituição francesa. Battisti se beneficiou disso. A França politicamente começou a ceder aos apelos da nação vizinha, e Jacques Chirac, que substituiu Miterrand, cancelou o asilo e Battisti fugiu para o México e logo depois pro Brasil.

    3 – Battisti foi preso no Brasil. Na campanha de Sarkozy, já líder francês explicitou que achava importante sua prisão no Brasil e conseguiu isto nas vésperas das eleições. Além ganhar prestígio com a medida, causou embaraço aos candidatos da esquerda e ao centro, que criticaram a detenção de Battisti. O mais ambíguo disso tudo iria aparecer adiante, nos primeiros anos de prisão no Brasil, e o então candidato francês já eleito: jornais franceses e italianos publicaram que Carla Bruni , mulher de Sarkozy, havia pedido a concessão de refúgio para Battisti.

    4 – Em relação ao processo criminal na Itália, li que os companheiros de partido de Battisti que foram presos e imputados as mesmas ações criminosas, passaram por medidas “disciplinares” (assim como no Brasil à época) e eram questionavam sobre o paradeiro de Battisti, como obtiveram (como ocorre no Brasil e alguns países) o privilégio da “delação premiada” e sabidos que o dito já havia fugido e fora da Itália atribuíram à ele aquelas ações para os quatro crimes. Bom, não vou julgar a informação nem mesmo quero me convencer de nada, mas a partir desse outro fundamento, se houver qualquer possibilidade de ser verdadeiro, então (como se diz no “jargão” do Direito): “Plantou-se a semente da dúvida”.

    5 – Com o que foi dito no item anterior, e ele foi julgado a revelia, e assim como alega a defesa do Caso Battisti na Itália o processo estava viciado e não foi garantido um direito universal, visto que a própria França (uma nação muito respeitada) entendia que ele sofria perseguição política.

    6 – Ah! Sobre o Tratado de Haia menciona claramente as hipóteses da negação de extradição, na principal, motivada por perseguição política do requerente.

    7 – Ainda sobre as suas disposições, o tratado Brasil Itália não prevê a jurisdição de Haia para dirimir controvérsias fundadas em suas disposições, ou seja, como assisti numa entrevista do embaixador brasileiro (na Itália) num programa da GloboNews, também não poderia haver jurisdição da Corte de Haia com fundamento no tratado, salvo se houver o consentimento específico do Brasil para submissão do caso à Haia, a Itália não poderá submeter a questão à Corte Internacional de Justiça. A situação é definitiva! Como a imprensa diria: Não cabe recurso!

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  2. Por fim, sem comentar questões de soberania nem mesmo das decisões magnânimas do nosso Supremo (que devemos defendê-lo) digo que o Brasil tem legislação que anistia ambas as partes envolvidas naquelas questões políticas daquela era. Não me surpreenda que o presidente e também a presidenta se posicione da forma que se apresentou.

    Sobre possível retaliação italiana... Pô! Não quero menosprezar nada nem ninguém, mas olha pro Brasil e olha para a metade da Europa. Olha pra Itália!!... Compare as economias e as respectivas grandezas... Se o Brasil parar de exportar as carnes (todas), as peles e couros dos bovinos e outros, o minério de ferro e soja brasileira, pode ter certeza que eles vão à bancarrota, mas o Brasil pouco sentirá a falta da demanda.

    Por favor imprensa brasileira! Tire da memória que nós somos vira-latas!

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  3. Como sempre, Fábio, informativo e sensato. Valeu o acréscimo! E parabéns para você também pelo primeiro ano do Blog! Do nosso Blog! Acho que estamos constuindo algo diferente aqui, hein? Absssssssss

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